Emergência Econômica: ou agimos agora ou será tarde demais
Há um ditado muito conhecido nos Estados Unidos e muito ironicamente pertinente com o momento que estamos vivendo com a pandemia do Covid-19. Diz assim: “Quando os Estados Unidos pegam uma gripe, os Afro-americanos pegam pneumonia”, ou seja, quando algo de ruim acontece por lá, a parte mais fragilizada na sociedade sofre com mais força o impacto do problema.
Essa expressão foi um dos temas abordados no painel “State of Emergecy” organizado pelo rapper e empresário, Sean Combs (P.Daddy) que reuniu ativistas, comunicadores e políticos afro-americanos a exemplo da congressista Alexandria Ocasio-Cortez, o comentarista da CNN, Van Jones e o lendário ativista Al Sharpton na Revolt TV, canal de TV e site especializado em cultura hip hop criado por P.Daddy.
O tema, como disse o rapper estadunidense em sua convocação, é “de vida ou morte”, uma vez que as estatísticas mostram que a Covid-19 tem afetado de maneira desproporcionalmente grave os descendentes de africanos nos Estados Unidos, principalmente em cidades com grande concentração negra como Nova Orleans, Chicago e Nova Iorque.
No Brasil, não é diferente. Pelo contrário, pode ser ainda pior. Apesar da pobreza similar entre as comunidades afro do Brasil e dos Estados Unidos, temos ainda uma estrutura urbana ainda mais deficitária em favelas brasileiras e cerca de 100 milhões de pessoas sem esgotamento sanitário adequado, segundo dados do Instituto Trata Brasil.
Dados do Ministério da Saúde do Brasil publicado pela mídia mostram que a letalidade entre pessoas de ascendência africana já é maior em relação aos descendentes de europeus vivendo no Brasil. Ou seja, estamos falando de uma “bomba relógio” do ponto de vista da saúde pública.
Do ponto de vista econômico, a situação é igualmente preocupante. Milhares de pequenos negócios locais estão com dias contados, haja vista que não conseguem acesso ao crédito bancário e não possuem capital de giro para sobrevirem. Sem contar o número de empregados formais que nesse momento estão sendo demitidos.
O tecido social brasileiro já fragilizado por anos de descaso em relação a políticas públicas para os segmentos mais violentados e empobrecidos deverá ser esticado até o último fiapo, se não agirmos rápido e de maneira organizada.
É papel de o Estado brasileiro fazer o que as grandes potenciais ocidentais e asiáticas estão fazendo nesse momento com estímulo para a manutenção dos empregos e dos pequenos negócios. Aliás, é preciso frisar que nesse momento a prioridade deve ser a garantia dos empregos e não da manutenção, a princípio, do lucro dos acionistas, como disse, em outras palavras, em entrevista a MSNBC o ex-executivo do Facebook, Chamath Palihapitiya que é o CEO de um fundo de investimento, o Social Capital.
Precisamos de um novo pacto social, um acordo de longo prazo onde a iniciativa privada possa olhar para além do imediato (como a distribuição de cestas básicas – medida necessária, por hora), pensando em investimentos sociais de verdade ao passo que busquem diminuir suas margens de lucro em prol da sustentação da vida de seus consumidores (os do passado, do presente ou do futuro).
Vamos precisar também de um Estado eficiente chegando aonde ele nunca chegou, garantindo saúde, educação e oportunidades. E, por fim, vamos precisar da sociedade civil ainda mais forte do que foi antes da crise do Covid-19.
Há três semanas, me juntei (na condição de representante da aceleradora Vale do Dendê) a um grupo de organizações que fomentam o empreendedorismo nas periferias do Brasil para criarmos uma coalizão chamada ÉdiTodos (www.editodos.com.br) com objetivo de criar um fundo de apoio aos pequenos empreendedores e denunciar o estado de “Emergência Econômica” que estamos vivendo.
Sim! Emergência é uma palavra muito importante nesse momento. Assim como temos dentro dos governos os decretos de “calamidade pública”, deveríamos ter esse conceito executado também nas empresas, para que elas pudessem flexibilizar suas regras orçamentárias nesse momento caótico e realizar o máximo transferência de renda possível, inclusive com os recursos que seriam usados com publicidade num cenário pré-crise. Que tal usar esse recurso para investir nas comunidades nesse momento?
Essa talvez seja uma das crises humanitárias que mais deixa explícito que nós como habitantes do planeta terra somos interdependentes. Todos, sem exceção, estamos vivendo essa pandemia (sem limites geográficos ou de qualquer outra natureza), mas é claro, que por conta das desigualdades uns sofrerão uma conseqüência maior que outros.
Portanto, esse é o momento de colocamos em prática a tão falada solidariedade indo para a raiz do problema, como bem lembrou o escritor Josué de Castro em seu livro “Geografia da fome” na década de 1980. “Metade da humanidade não come; e a outra metade não dorme, com medo da que não come”. Que saíamos dessa crise fazendo o certo, o justo e o necessário para mudar essa realidade.
Paulo Rogério Nunes é empreendedor social, consultor de diversidade e autor do livro “Oportunidades Invisíveis”, palestrante e consultor na Casé Fala.