Brasil e os EUA devem prestar atenção ao peso da crise sobre comunidades negras

Alguém afirmou certa vez eloquentemente que se a África é a terra mãe para afro-americanos então o Brasil deve ser a terra irmã. Eu consigo perceber isso sendo um afro-americano vivendo na Bahia. Muito da cultura negra no Brasil se parece com a minha nos Estados Unidos. Os dois países têm as maiores populações negras fora da África.

Até hoje, tanto o Brasil quanto os Estados Unidos continuam a prosperar tendo como base os séculos de trabalho africano não remunerado durante a escravidão. As vibrantes culturas produzidas a partir de nossa luta e resiliência são a cara dessas duas nações globalmente (basta ver o jazz e o hip-hop ou o samba e capoeira). A ligação entre afro-americanos e afro-brasileiros não é apenas de sangue e ancestralidade, mas também por conta da força dos dois povos diante das opressões históricas e contemporâneas que compartilhamos. Agora, mais uma vez, nossos destinos estão intrinsecamente ligados nesta crise econômica e de saúde pública provocada pela pandemia de Covid-19.

É inegável que o coronavírus está tendo efeitos devastadores em todos os grupos socioeconômicos, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. No entanto, temos um ditado nos EUA, que diz que quando a “América Branca” pega um resfriado, os negros desenvolvem uma pneumonia. Em quase todos os desastres econômicos nacionais, seja na Grande Depressão dos EUA na década de 1930 ou na crise financeira brasileira de 2014, o impacto em nós negros é mais pesado e doloroso.

Se pararmos para pensar, a comunidade negra nunca se recuperou totalmente da escravidão devido às muitas restrições sociais, econômicas e políticas que lhes são impostas tanto na América do Sul quanto na América do Norte. Como resultado, entramos nesta crise com muito menos recursos do que os brancos. Segundo o Brookings Institute, a renda típica de uma família branca é de US$ 171.000, dez vezes maior que a média da família negra, que era de US$ 17.000. Uma pesquisa de 2019 do IBGE constatou que os brancos brasileiros ganhavam em média 74% a mais do que os negros.

Infelizmente, as políticas genéricas (universais) que estão sendo postas em prática por ambos os governos irão fazer com que as disparidades de riqueza só aumentem. O governo dos Estados Unidos provou mais uma vez seu amor pela “assistência social” para bilionários de Wall Street, bancos e grandes empresas com US$ 2 trilhões, ao mesmo tempo em que reserva “livre mercado” para os mais pobres.

A solução estadunidense para as pequenas empresas têm sido desastrosamente ineficaz. O Paycheck Protection Program que é um fundo de US$ 660 milhões destinado para essas empresas está sendo abocanhada por empresas maiores. Estima-se que mais de 90% das empresas de pessoas negras nos Estados Unidos não terão acesso a essa importante linha de estímulo econômico.

Mais de 33 milhões de americanos já estão desempregados desde o início crise e, sem dúvida, um número desproporcional deles é de afro-americanos. Diante disso, o governo emitiu um subsídio (parcela única) de US$1.200 para os trabalhadores. Um valor irrisório.

Os esforços de alívio econômico do Brasil não são mais promissores do que isso. O plano de R$ 147 bilhões para ajudar as empresas não terá grande impacto sobre os empresários negros, que em geral são pequenos ou informais. Pouquíssimas empresas negras atendem aos critérios financeiros de elegibilidade e esses empreendedores quase nunca possuem patrimônio. Outro problema. Assim como as empresas liderada por afro-americanos, muitas empresas de negros no Brasil não têm histórico vínculos com bancos e certamente terão seus empréstimos negados. Tem sido doloroso ver como meus amigos empreendedores no Brasil e nos EUA têm lutado para se organizar financeiramente e descobrir como sobreviver nessa crise.

Tenho medo que a questão econômica leve a comunidade negra a prejudicar ainda mais sua saúde. À medida que a crise econômica se agravar, a pressão aumentará para se acabe com o distanciamento social e retornem às ruas em um esforço para encontrar trabalho ou reabrir seus negócios e isso terá implicações graves.

Os negros, em geral, tendem a ter mais fatores de comorbidade que aumentam as chances de letalidade do vírus. Estas condições, pré-existentes, são por conta da disparidade de recursos, o que impacta na qualidade, cuidados de saúde, educação e opções alimentares. Somos também mais propensos a viver em ambientes urbanos densamente povoados como as favelas brasileiras e os “guetos” americanos onde o vírus deve se propagar mais facilmente.

Isto sem dúvida causará uma explosão de novos casos e o Brasil pode até ser pior do que os Estados Unidos neste aspecto. A população Negra aqui é mais do que o dobro dos 50 milhões de afro-americanos. Com cerca de 118 milhões de pessoas, os descendentes de africanos representam 56% do Brasil. Se o coronavírus se espalhar completamente nessa comunidade ele devastará o sistema nacional de saúde e aprofundará a crise financeira, talvez por anos.

Se os Estados Unidos e o Brasil querem evitar esta calamidade, ambos devem começar a prestar atenção às suas comunidades mais marginalizadas. Soluções governamentais genéricas não são suficientes.

Esta pode ser não apenas a chance de superar a crise, mas uma oportunidade para que ambas as nações saiam desta situação mais forte. Modificando uma citação do Dr. Martin Luther King, podemos dizer: devemos aprender a [sobreviver] juntos como irmãos ou pereceremos juntos como tolos.

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David A. Wilson
David A. Wilson é um cineasta, jornalista, empresário de mídia e executivo. David é co-fundador da AFAR Ventures, uma empresa de pesquisa e entrada no mercado dedicada a criar oportunidades de mídia e empreendedorismo para Negros no Brasil. Ele é o fundador da TheGrio.com uma das maiores plataformas de notícias afro-americanas e atuou como Vice-Presidente Sênior da BET Digital & Studios. Atualmente vive entre a Bahia e Brooklyn, NY. David também atua como palestrante de Consultor na Casé Fala.
Traduzido por Bruno Almeida
Artigo publicado na Folha SP em abril de 2020.

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