Lugar de Escuta

Quem está no grupo de privilegio tem grande dificuldade de ouvir. Para que o diálogo seja possível. Essas pessoas precisam se colocar no lugar de escuta. E elas não querem se colocar nesse lugar.

O termo “pacto narcísico da branquitude” foi cunhado por Cida Bento a partir da figura mítica de Narciso, para desvelar o compromisso da branquitude em manter a estrutura racial injusta que os privilegia: um pacto de proteção e premiação, nítidos ao menos atento olhar que observa o grupo que se premia, se contrata, se aplaude, se protege. O caçador mitológico grego, apaixonado pela representação da própria imagem, olha pra si como único objeto de amor. No Brasil, trata-se de um pacto muito forte, quase indestrutível, que acaba por eleger um discurso autorizado de saber. Vale dizer que discurso aqui é além de simples pronunciamento, mas de ações, falas e existências.

A noção de “lugar de fala”, nesse sentido, é importante como contraposição à ideia de um sujeito universal representado na figura de Narciso, tão bem trabalhada por Grada Kilomba em sua exposição Illusions Vl. I. Narciso consegue olhar apenas para seu reflexo e tudo diferente a ele sequer é notado. O som pelo qual se apaixona é o som de Eco, ninfa condenada apaixonada por ele, mas que consegue repetir apenas as suas últimas palavras. A partir do mito, conseguimos refletir sobre a dificuldade de Narciso escutar algum discurso que não seja de Eco. Inclusive, alguns discursos são entendidos como ameaçadores à sua existência. A necessidade de escuta é uma realidade no país de tantas desigualdades sociais, mas é necessário aprender a escutar, sobretudo por parte de quem sempre foi autorizado a falar.

 

Djamila Ribeiro é mestre em filosofia política, escritora e faz parte de elenco de palestrantes da Casé Fala.

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